“Tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente, era a primeira vez
que lhe escrevia aquelas sentimentalidades e o seu orgulho dilatava-se ao calor
amoroso que saía delas como um corpo ressequido que se estira num banho tépido;
sentia um acréscimo de estima por si mesma e parecia-lhe que entrava enfim numa
existência superiormente interessante, onde cada hora tinha um encanto
diferente, cada passo conduzia a um êxtase e a alma se cobria de um luxo
radioso de sensações”.
Impossível não associar este
trecho com a melodia de Amor I Love You,
até quando leio este trecho de Primo Basílio escuto a voz rouca de Arnaldo
Antunes suspirando as palavras que casaram perfeitamente com o som da música.
Mas, a obra de Eça de Queiroz é muito mais do que um trecho musical. Gosto de
Eça desde a minha adolescência quando conheci sua primeira história: Os Maias, à época, em tom de
brincadeira, dizia que meu filho iria se chamar Carlos Eduardo, se possível da
Maia, pois achava um nome lindo.
O tempo passou, eu cresci, mas,
nunca perdi a admiração pelas obras do português. Aliás, no final do livro nos
é apresentado uma carta do autor para um amigo dissecando a cerca do romance, o
mesmo tenta explicar o porquê de sua mais recente obra ser tão distante das
obras escritas anteriormente, e Eça explica que O primo Basílio nada mais é que o retrato da hipocrisia portuguesa.
A hipocrisia, que muitas vezes tem raízes na inveja alheia, impera através de
fofocas e maledicências, no caso de nossa história, a hipocrisia tem sua vítima
maior na figura de Luíza, a protagonista que será arrastada para uma tragédia
simplesmente por ter amado. Mesmo sendo um romance de 1878, o enredo é muito
atual.
Se é impossível não associar o trecho do
bilhetinho de Basílio à música de Marisa Monte, também não é possível não
associar a hipocrisia da sociedade portuguesa com a hipocrisia da sociedade
brasileira dos dias atuais, a qual condena um beijo homossexual na novela das 8
mas, acha perfeitamente normal ver sua filha pequena rebolando ao som de
Anitta, o que mostra que as raízes de um povo tem mais influência do que
poderia supor nossa vã filosofia. E viva nossa herança portuguesa, na alegria
de ter os mais belos trechos da história da literatura e na tristeza das chagas
herdadas!
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